Cover Mockup

Coleção Christian Dior Parfums, Paris, © Christian Bérard

O irresistível Monsieur Bébé

Em um livro prolífico e ricamente ilustrado, publicado pela editora Gallimard, Laurence Benaïm revive os profundos laços de amizade que uniam Christian Bérard e Christian Dior. O pintor apoiou e inspirou o estilista, cujo trabalho é pontuado de diversas inspirações desse aliado indescritível. Por Boris Bergmann.

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PHOTOGRAPH BY LOUISE DAHL-WOLFE © CENTER FOR CREATIVE PHOTOGRAPHY, ARIZONA BOARD OF REGENTS

Primeiramente, seu porte que não passava despercebido. Cabelos desalinhados, uma farta barba ruiva, uma risada explosiva. Rastros de tinta ou pastel sobre o terno. Como uma sombra, igualmente descabelada, Jacinthe, seu pequenino cachorro cola em seus passos, o acompanha, o segue nas avant-premières dos desfiles de alta-costura, em seu atelier, nos cabarés da moda… Assim podemos retratar o artista Christian Bérard. Um factótum dotado de um talento raro. Um mundano com um faro incomparável.
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COLEÇÃO DIOR HÉRITAGE, PARIS, © CHRISTIAN BÉRARD. © ASSOCIATION WILLY MAYWALD/ADAGP, PARIS, 2023

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© EUGENE KAMMERMAN/GAMMA-RAPHO

“Bébé”, como era apelidado por seus amigos, nasceu em uma família abastada, onde rapidamente foi iniciado ao universo das belas-artes. Em 1920, ele entra na escola de artes da Académie Ranson. Influenciado por artistas como Édouard Vuillard e Maurice Denis, ele aprende a pintar, viaja para a Itália em busca do belo... Com seu pincel, Bérard se opõe às correntes vanguardistas como o cubismo, o qual reserva sua dose de crítica: “Eu nunca poderia me interessar pelo destino de um violão cortado em quatro.” Tentam lhe enquadrar numa corrente “neo-humanista”, mas Bébé tem um estilo particular a si próprio. Ele imagina cenas oníricas, personagens quiméricos, ruínas fantásticas. Ele inventa paisagens, ilusões trompe-l’œil, frisos. Rapidamente, ele conquista o Tout-Paris por inteiro. O grande decorador Jean-Michel Frank solicita Bérard para que ele crie biombos-telas que farão sensação. E então, ele entra no universo do teatro. Christian Bérard tece laços de amizade com Jean Cocteau e Louis Jouvet, que o vê como “um arco-íris errante”. Fascinado pelos Balés russos de Diaghilev, no qual seu companheiro Boris Kochno foi secretário, Bérard elabora cenografias anticonformistas. Ele trabalha para as principais peças da época: La Machine infernale de Jean Cocteau, La Folle de Chaillot de Jean Giraudoux, Les Bonnes de Jean Genet. Ele revisita clássicos como Dom Juan ou L’École des femmes de Molière. O grande coreógrafo Roland Petit o solicita para seus balés. Também em colaboração com Cocteau, ele adiciona o cinema em seu currículo, concebendo os cenários e vestimentas de A Bela e a Fera, em 1946, incluindo a monstruosa máscara utilizada por Jean Marais.
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© BORIS LIPNITZKI/ROGER-VIOLLET

A moda não poderia ficar indiferente à prodigalidade de Bébé. No início dos anos 1930, ele colabora com as revistas Harper’s Bazaar e posteriormente com a Vogue, em particular para a capa de uma icônica edição extra publicada na França logo após a Libertação da Guerra: um navio azul, branco, vermelho que avança em direção ao sol, transportando os desejos de uma geração...
Mas seu mais profundo laço com a moda tem outra morada: em sua relação quase fraternal com Christian Dior. A jornalista e escritora Laurence Benaïm, explora em seu último livro, Christian Dior - Christian Bérard: La Mélancolie joyeuse, essa amizade unha e carne. Seu livro não é uma biografia dupla como as outras, mas sim uma história cruzada real de duas figuras extraordinárias, duas criaturas que nunca deixaram de acompanhar e inspirar uma à outra. Aparentemente opostos, o extravagante e ultrassensível Bébé contrasta com a personalidade discreta e misteriosa de Monsieur Dior. Porém, foram mutualmente atingidos por um amor à primeira vista estético. Durante os anos 1930, Christian Dior, na época sócio da galeria Pierre Colle, expõe as telas do jovem Bérard ao lado de nomes como Dalí, Picasso e Matisse. Dior acompanha Bébé em suas noitadas parisienses. Sua energia, elegância e sinceridade lhe contagiam.
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FOTOGRAFIA DE LOUISE DAHL-WOLFE © CENTER FOR CREATIVE PHOTOGRAPHY, ARIZONA BOARD OF REGENTS

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© ASSOCIATION WILLY MAYWALD/ADAGP, PARIS, 2023

E quando Christian Dior decide iniciar sua grande aventura com uma maison de alta-costura com seu nome, Christian Bérard é um de seus principais apoiadores. Durante as provas, ele está presente encorajando o amigo com as palavras certas. Como convidado no desfile que faz triunfar o New Look internacionalmente, ele foi o primeiro a declarar a genialidade do estilista, demonstrando seu apoio inabalável ao querido amigo. O vínculo entre eles é tão forte que emerge na própria criação. Monsieur Dior pede para que Bébé cuide da decoração da primeira loja de sua Maison, batizada de “Colifichets”, no 30, avenue Montaigne. O próprio Bébé aconselha Christian Dior a decorar essa vitrine inaugural com a Toile de Jouy, estampa que se tornará um código Dior. “Sob uma aparência de desordem, ele criava a vida”, escreveu o estilista sobre seu amigo, “árbitro de todas as festas e de todas as elegâncias”.

Outro exemplo, Monsieur Dior batiza uma das cores de sua coleção outono-inverno 1947 de “Barbe de Bébé”, um marrom avermelhado que é uma referência direta à barba ruiva do pintor.
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© Roger Berson/Roger-Viollet

A cor “Barbe de Bébé” se prolifera em um vestido de noite em cetim, em um outro de gala, em um casaco, um tailleur em Tweed, em um conjunto de lã… Como se Christian Dior estivesse imprimindo em sua obra, na matriz de tecidos que apenas ele sabia manusear com perfeição, seu afeto por seu eterno amigo.

Em seu livro, Laurence Benaïm parte em busca de verdades secretas, de lembranças enterradas. Muito além de suas personalidades radiantes, ela mostra suas falhas, dúvidas e medos. Ela desenterra os sonhos e aspirações nascidas na infância. Em meio a uma Paris de artistas, dos Loucos Anos 20 até a Liberação, dois seres à parte, dois destinos se cruzam, dois Christians se unem pela eternidade em nome de um amor em comum: a arte. Bébé e Monsieur Dior emergem em meio à veracidade de seu mais puro talento. Mais unidos do que nunca.
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© TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

“Árbitro de todas as festas e de todas as elegâncias, Christian Bérard, nosso querido “Bébé”, dotado de um gosto infalível, vinha (...) respirar o ar da nova coleção em preparação. (…) Nós esperávamos, com o coração palpitando, o seu veredito.

– CHRISTIAN DIOR

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